APÓS CRISE NA PANDEMIA, HOTÉIS PASSAM POR RETROFIT E VIRAM RESIDENCIAIS COM LOCAÇÃO FLEXÍVEL

Novo estilo de hospedagem mescla parte das comodidades da hotelaria tradicional com o custo menor e o atendimento 100% digital do aluguel por temporada

A pandemia do coronavírus acelerou uma transformação no jeito de se hospedar em viagens pelo Brasil. O setor, que já tinha sido abalado pela chegada de plataformas on-line como Airbnb, sofreu um duro golpe com o isolamento social necessário para conter a Covid-19 e, na reabertura, novos modelos de negócios ganharam espaço.

Hotéis que não sobreviveram à crise são alvo agora de retrofit, ou seja, uma repaginação bancada por incorporadoras e investidores que transformam as tradicionais suítes em apartamentos para aluguel por temporada. Para o turista, surge um novo estilo de hospedagem, que mescla parte das comodidades da hotelaria tradicional – como café da manhã ou serviço de limpeza, mas sob demanda – com o custo menor e o atendimento 100% digital do aluguel por temporada.

Nesse negócio, entram novos players: das construtoras responsáveis pelas obras aos investidores que aportam o capital via fundos, passando pelos proprietários dos imóveis e por startups que fazem a gestão da hospedagem.

Unidades de até 45 metros quadrados

A SIG Incorporadora é a responsável, na Zona Sul do Rio de Janeiro, pelos retrofits do centenário Hotel Glória e do Hotel Everest, em Ipanema. Ambos têm previsão de entrega em 2026. O sócio da SIG Otávio Grimberg explica que os apartamentos são adquiridos por diferentes donos, que têm liberdade para usufruir do espaço ou locar para terceiros. Nesse caso, é possível contar com serviços de gestão oferecidos por startups, que cuidam desde o anúncio até a limpeza das unidades.

– Depois da Copa e da Olimpíada, o Rio ficou com excesso de hotéis, que estavam mal das pernas e não resistiram à pandemia. Muitos investidores viram aí um filão de mercado, de olho na locação. A procura também é grande por pessoas solteiras ou que moram em outros estados – conta Grimberg. – Para a incorporadora é um bom negócio porque há muita procura por unidades pequenas. Não existia, até pouco tempo atrás, na cidade, apartamento até 45 metros quadrados.

O advogado de Direito Imobiliário Raphael Mançur destaca que muitas cidades passaram a conceder incentivos fiscais, como redução do IPTU e isenção do ITBI (imposto de transmissão), para facilitar que prédios antigos, principalmente de regiões centrais, saíssem do abandono. Além disso, a lei federal 14.405, deste ano, permitiu que a mudança de destinação comercial para residencial dependa somente da aprovação de 2/3 dos condôminos, não mais de unanimidade.

– Houve uma desburocratização. Agora, não precisa mais demolir. Você pode manter a estrutura e fazer todas as adequações. Há várias dessas obras em andamento no Rio, como as dos hotéis Aymoré e Paysandu – lembra Mançur.

Enquanto a estrutura é mantida, é projetado, no interior, um ambiente completamente novo, com inclusão de uma pequena cozinha em cada unidade e alterações na decoração. A área de lazer também é toda repaginada, para oferecer estrutura de condomínio de luxo – boa piscina, academia bem equipada e até espaço de coworking. Os viajantes têm acesso, então, a um ambiente de alto padrão por um preço abaixo do cobrado em hotéis no mesmo nível. No Everest, por exemplo, estão previstos um rooftop com vista para Ipanema e para a Lagoa Rodrigo de Freitas e a inclusão de varandas nas unidades.

Maria Gal, atriz e influenciadora, de 46 anos, mora no Rio e viaja semanalmente a trabalho para São Paulo. Nos últimos seis meses, trocou os hotéis tradicionais pelas hospedagens flexíveis:

– Já fiquei hospedada de cinco dias a três semanas direto. O preço acaba sendo mais em conta, e a cozinha faz com que eu me sinta em casa.

Do ponto de vista do investidor, os custos de manutenção de uma unidade residencial com locação flexível são bem menores do que os de um quarto de hotel: o check-in digital substitui o cadastro com recepcionista; os serviços são oferecidos sob demanda, com cobrança extra; e o menor número de funcionários diminui o valor do condomínio.

O uso da tecnologia ainda permite, segundo Luiz Mazetto, diretor de Operações da gestora de imóveis Casai, aumentar as receitas com locações. O mesmo apartamento é disponibilizado no portal da empresa e em diversos outros sites, alcançando quem tem interesse em permanecer por um dia, um mês ou um ano. Com um público potencial amplo, dificilmente as unidades ficam vazias.

– Oferecemos retornos até 70% maiores que aluguéis tradicionais – afirma Mazetto.

Comodidades com custo menor

Para quem se hospeda, também há economia. Enquanto a diária de um hotel quatro estrelas em Aphaville, São Paulo, por exemplo, sai em torno de R$ 370, um apartamento de locação flexível no mesmo bairro, com categoria semelhante, sai a R$ 240.

Thomaz Guz, fundador e CEO da Nomah, startup de locação flexível que se fundiu no mês passado com a Casai, vê com otimismo a expansão do negócio. Hoje, a empresa faz a gestão do antigo Hotel Massis, em São Paulo.

– De um lado, tinha a hotelaria, burocrática, e do outro, o aluguel direto com o dono, imprevisível e com vários perrengues. Oferecemos o meio termo – diz Guz. – O cliente manda uma selfie e, com a biometria facial, consegue entrar no prédio. Se precisar de algo, conta com atendimento por WhatsApp 24 horas.

Modelo resiliente

William Astolfi, fundador da startup BHomy, acredita que, além do conforto e do atendimento, o sucesso das locações flexíveis está diretamente relacionado à estética. Por isso, a empresa conta com um time de arquitetos que oferecem o serviço de design para os proprietários. O antigo Mercury Paraíso, também em São Paulo, foi redecorado antes de virar residencial para locações de curta e longa temporadas.

– Dentro desse mesmo prédio, operamos imóveis que foram reformados e que não tiveram ajustes. Nos retrofitados, o faturamento é 50% maior, porque consigo cobrar mais pelas diárias e eles ficam mais tempo ocupados – comenta Astolfi.

A startup Charlie, que surgiu em junho de 2020, também tem sua própria equipe de arquitetos para deixar os apartamentos mais enxutos e eficientes. Para o CEO Allan Sztokfisz, há uma forte demanda por aluguel por temporada no Brasil:

– Tivemos prova de que esse modelo funcionava porque, na pandemia, enquanto os hotéis mantinham ocupação baixíssima, conseguíamos manter ocupação alta, em cerca de 70%, por entregar o melhor custo-benefício. Acredito que esse é o modelo mais resiliente de hospedagem.

A startup, que já tem parcerias com mais de 26 incorporadoras nacionais, entre elas Trisul, Eztec, Cyrela, Cury, Gamaro, Lavvi, Next Realty, Yuny e Tecnisa, faz a gestão de hotéis retrofitados em São Paulo e Porto Alegre. No Rio, conforme conta Sztokfisz, tem duas negociações em andamento, de hotéis localizados no Leblon e em Copacabana.

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