CIDADÃO INSTIGADO
Eduardo Kobra pinta espaços enormes, nos quais imprime sua arte engajada.
Do Campo Limpo, bairro da periferia de São Paulo, para a Vila Madalena, reduto da juventude artística da cidade, foram oito anos. O muralista Eduardo Kobra aprendeu sozinho a arte que hoje o coloca no patamar de um dos mais importantes artistas plásticos do Brasil. Não há diferenças gritantes entre o menino que começou pichando os muros da escola em que estudava, aos onze anos, para o homem que executa pinturas realistas em muros e espaços enormes de várias cidades do Brasil e do mundo.
Kobra confessa que a origem modesta de garoto de periferia o atrapalhou no início. “Meu começo foi difícil. Não tive apoio dos meus pais, de ninguém. Fiz por intuição, por paixão e muita vontade, eu não tinha informação e sempre fui autodidata.
Morar na periferia, no Campo Limpo, me fez trilhar um caminho bem mais longo”, afirma. Nascido em 1976 na maior metrópole do Brasil, o muralista conquistou simpatia do governo, que autoriza e banca suas obras por vias importantes como a avenida 23 de maio, a avenida Paulista e a avenida Brigadeiro Faria Lima, e de empresas que o contratam para ilustrar muros e embalagens de produtos mais, digamos, descolados. É o caso da Chevrolet, Coca-Cola, Nestlé e Samsung. O artista ganha de R$ 20 mil a R$ 200 mil a cada trabalho que realiza e está com a agenda de projetos cheia há pelos menos três anos. O Stúdio Kobra, que abriu em 1995, é onde fica seu atelier/escritório e sua equipe, especializada na pintura de painéis artísticos.
A especialidade de Kobra são pinturas de rostos que mais parecem retratos supercoloridos e imagens das ruas nos séculos passados. “Quando percebi que não preservamos o patrimônio histórico, quis chamar a atenção das pessoas para onde vivemos hoje e como era antigamente”. Daí surgiu o projeto Muro de Memórias. Houve uma época que o muralista não sabia exatamente o que pintar e qual caminho seguir, se dentro da pichação, do grafite ou de outra vertente artística. Nesse tempo, pintou o que lhe pediam por encomenda, além, é claro, do que a estética do hip-hop, do qual era próximo, lhe inspirava. Naturalmente, transpôs essa fase e encontrou no muralismo o prumo de sua arte. Depois, passou a definir e escolher o que pintar.
Ligado às questões do meio ambiente, ecologia e por gostar de estar próximo à natureza sempre que pode, Kobra acabou criando o projeto Greenpincel, que por vezes oferece ao observador, de maneira explícita, seu ponto de vista sobre rodeios, por exemplo, ou sobre a “evolução” (equivocada) da nossa espécie, com imagens das agressões que o ser humano comete contra a natureza. A arte que se propõe a fazer não fecha os olhos para as questões que afligem o artista e isso faz dele um dos mais originais de sua época.
A inspiração do artista veio sempre de fora. Os primeiros foram os grafiteiros que pintavam trens em Nova York e artistas como Jean-Michel Basquiat e Keith Haring. Ávido por conhecer estilos diversos de pintura, Kobra chegou ao marido de Frida Kahlo, Diego Rivera, e a David Alfaro Siqueiros.
Longe de ser unanimidade entre outros artistas urbanos, Kobra é criticado por grafiteiros e pichadores que não veem no trabalho dele qualquer contribuição para a arte “de rua”. O muralismo sofre um certo preconceito por estar, literalmente, em cima do muro entre a arte marginal e a erudição de alguns espaços que o abriga. Os gêmeos Gustavo e Otávio Pandolfo abriram um caminho importante aos artistas brasileiros que se identificam com este tipo de trabalho e o produzem.
O primeiro mural que pintou no exterior foi em Londres, onde retratou a história daquela região. Depois disso, convites para festivais começaram a pipocar. Um de seus ídolos, Kurt Wenner, o convidou para participar do Sarasota Chalk Festival, um dos mais importantes eventos de arte em 3D do mundo, que contou com mais de 200 artistas e premiou com medalhas os 20 primeiros colocados. É claro que o muralista brasileiro levou a sua para casa. Para 2013, Kobra planeja participar de duas exposições com Mr. Brainwash, em Los Angeles e em São Francisco, pintando murais relacionados ao Greenpincel.
Com apenas 36 anos, o paulistano tem inúmeros projetos que ainda pretende realizar e uma dezena de espaços que quer modificar. Kobra está de olho há alguns anos em um painel com três mil metros quadrados na Faculdade de música da UFRJ, que fica no bairro da Lapa, e nos pilares vermelhos do Masp que não mudam há muito tempo. “Acho que posso modificar um pouco, mesmo que depois volte para o original, seria ótimo levar a minha arte para as colunas do Masp”.